Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislavski - Stanislávski – Vida, Obra e Sistema por Elena Vássina

Stanislávski – Vida, Obra e Sistema por Elena Vássina

Stanislávski – Vida Obra e Sistema 

Por Elena Vássina

 

Entre o Brasil e a Ru?ssia

Primeiramente, eu gostaria de agradecer esse convite muito especial para falar com voce?s sobre Stanisla?vski, que eu amo de paixa?o, e falar em um lugar ta?o especial que e? o Teatro Escola Macunai?ma. Voce?s na?o va?o acreditar, mas eu conheci o Macunai?ma em 1990, quando muitos de voce?s ainda na?o tinham nascido. Eu vim pela primeira vez ao Brasil para um grande fo?rum cultural que foi realizado durante o Festival internacional de teatro em Londrina (FILO), e essa foi a primeira vez, no Brasil, que eu falei do teatro russo, de Stanisla?vski. E um homem muito simpa?tico da plateia comec?ou a me fazer perguntas e mais perguntas, era Nissim Castiel, o dono do Macunai?ma. Depois eu fui convidada a passar alguns dias em Sa?o Paulo, em junho de 1990, e Nissim me convidou para assistir a um espeta?culo dos alunos da escola, que eu na?o me esquec?o ate? hoje. Era O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, e foi uma coisa fanta?stica, um espeta?culo que ficou gravado na minha memo?ria.

Eu me apaixonei pelo Macunai?ma. Quando eu voltei para Moscou – ainda era Unia?o Sovie?tica – eu me lembro de me pedirem para dar uma entrevista na ra?dio sobre teatro brasileiro, e uma das coisas muito marcantes e fortes era o Macunai?ma, e eu falei muito sobre o espeta?culo dos alunos. Desde enta?o, me tornei amiga de Nissim Castiel e do Macunai?ma. Sempre quando eu vinha, nos anos 1990, de Moscou para Sa?o Paulo, Nissim me convidava para conversar com os professores sobre Stanisla?vski e o teatro russo.

Eu tenho uma ligac?a?o bastante pro?xima com Stanisla?vski e ate? familiar. Meu tio avo? trabalhou com Stanisla?vski no Primeiro Estu?dio do Teatro de Arte de Moscou. Ele faleceu cedo, bastante jovem, e eu nunca o vi. Mas meu tio, filho daquele pedagogo e diretor do Primeiro Estu?dio, conservou muitas amizades com alunos de Stanisla?vski e com os atores. Eu me lembro de que, quando eu era pequena, no?s ti?nhamos grandes festas na fami?lia e, quando estavam os atores do Teatro de Arte de Moscou, sempre era muito divertido: veia arti?stica, criativa, iluminava toda a festa, e isso ficou gravado

Stanisla?vski

profundamente na minha memo?ria infantil, no meu inconsciente talvez. E tambe?m a minha vida estava muito ligada ao Teatro de Arte de Moscou, que foi fundado por Stanisla?vski, porque va?rios amigos da fami?lia trabalharam la?.

Isso faz parte obrigato?ria da formac?a?o da crianc?a moscovita. Em Moscou, existem mais de cem companhias esta?veis, os teatros de reperto?rio, os municipais e os federais. Os elencos formados por atores (e eles sa?o funciona?rios pu?blicos!) sa?o enormes, chegam a cem, cento e vinte pessoas. O teatro e? uma parte muito importante da nossa formac?a?o e da nossa vida cultural. Os brasileiros que va?o para la? cada vez mais para estudar teatro sempre ficam impressionados com esses grandes pre?dios teatrais que te?m plateia para oitocentos ou ate? mil pessoas. Teatros drama?ticos, superlotados, em que e? quase impossi?vel comprar as entradas. Eu sempre falo que Moscou e? uma meca teatral. E isso no?s devemos a Stanisla?vski, porque foi ele quem elevou a importa?ncia da arte teatral a um ni?vel muito alto. O papel do teatro na sociedade russa e? importanti?ssimo, e? um formador de opinia?o pu?blica e essa e?, talvez, a especificidade da cultura russa.

Stanisla?vski: Vida e Obra

Mas eu queria falar de Stanisla?vski, porque esse ano eu escrevi um livro com meu amigo e parceiro Aimar Labaki, que se chama Stanisla?vski – Vida, Obra e Sistema, e no?s ficamos muito felizes, pois o livro foi indicado a? finalista do Pre?mio Jabuti. Eu acho que essa foi a primeira vez que um livro sobre teatro foi escolhido como finalista. No?s escrevemos esse livro com muita paixa?o e, o?bvio, fizemos imenso trabalho de pesquisa. Nele ha? muitos materiais ine?ditos, como arquivos e manuscritos de Stanisla?vski. Eu queria traduzir especialmente aquilo que e? muito pouco conhecido no mundo sobre Stanisla?vski.

Falando de Stanisla?vski, eu posso dizer que esse homem, para mim, e? uma personalidade extremamente talentosa, como Da Vinci, Michelangelo e outros. Um ator genial que comec?ou a atuar ainda pequeno, com quatro anos de idade, no teatro da fami?lia. Depois, o pai de Stanisla?vski constro?i, na casa de campo deles, um galpa?o especial para que todos os filhos pudessem exercitar atuac?a?o e apresentar durante as fe?rias de vera?o. Ale?m de ator, Stanisla?vski era encenador e, por exemplo, foi o primeiro a explorar a linguagem do simbolismo no teatro. Muitos acham que Stanisla?vski e? apenas um teatro naturalista ou realista, na?o e? nada disso, ele, como encenador, experimentou muitas linguagens completamente diferentes e va?rias formas de espeta?culos. Stanisla?vski foi muito importante como diretor do teatro poli?tico, atuante e engajado no ini?cio do se?culo XX. Ele experimentou tambe?m a linguagem grotesca e as formas da commedia dell’arte. Estava sempre em processo de desenvolvimento.

Ale?m disso, Stanisla?vski era um genial pedagogo, e o que no?s chamamos de Sistema e? o resultado da sua experie?ncia e pra?tica pedago?gica. Por que ele comec?ou a pesquisar o Sistema? O que e? o Sistema? Porque ele pro?prio, como ator, fazia a si mesmo uma grande pergunta, ele dizia assim: “A?s vezes eu entro no palco, eu atuo e fico absolutamente feliz, pois sinto essa inspirac?a?o e tudo da? certo, fico feliz por estar vivendo a minha personagem no palco e eu nem preciso pensar, tudo me e? dado neste momento. Mas muitas vezes eu atuo no mesmo papel e na?o tenho inspirac?a?o, eu fico congelado e infeliz.” E Stanisla?vski fez essa pergunta a si mesmo: “O que devo fazer cada vez que estou atuando em um espeta?culo, quando estou entrando no palco, para ter essa inspirac?a?o e sentir essa felicidade?”

A partir disso comec?ou a busca de Stanisla?vski. Bem no inicio do se?culo XX, ele comec?a a pensar no Sistema e nos exerci?cios de preparac?a?o do ator. Foram as primeiras experie?ncias, pois todas as outras artes tinham um sistema ja? desenvolvido e elaborado ha? se?culos, te?cnicas para o iniciante aprender, que sa?o suas bases. Apenas a arte drama?tica na?o tinha um sistema; cada escola tinha o seu sistema, a sua pedagogia. E Stanisla?vski comec?a a pesquisar psico?logos, fisio?logos e filo?sofos. Impressionante e? essa sua garra em aprender o novo, estudou e pesquisou ate? o ultimo momento de sua vida.

O Sistema Stanisla?vski

O Sistema na?o e? nenhuma grama?tica, nenhum manual de ator, ele indica uma direc?a?o para o ator. O Sistema e? um processo, algo que tem que ser desenvolvido. Stanisla?vski trabalhou no Sistema ate? o ultimo momento da sua vida: um dia antes de falecer, como ja? na?o podia escrever por estar muito doente, ele ditava para sua enfermeira os textos do Sistema. Inclusive, os u?ltimos escritos so? foram liberados ha? pouco tempo pela herdeira, sua neta.

Sua pesquisa, o seu desenvolvimento e essa busca foram importanti?ssimos. Eu trouxe uma citac?a?o para voce?s. Em seu aniversa?rio de setenta anos, ele estava em sua casa, cheia de flores – todos mandavam flores para Stanisla?vski. Muitos vinham para dar parabe?ns, e chegou uma atriz que atuou com ele e lhe pediu um auto?grafo. Ele pegou a sua fotografia e escreveu o seguinte: “Tive uma longa vida. Vi muito. Era rico. Depois fiquei pobre. Vi o mundo. Tive boa fami?lia, os filhos. A vida espalhou todos pelo mundo. Procurei fama. Encontrei. Tive honras, fui jovem. Envelheci. Em breve sera? preciso morrer. Agora me pergunte: em que consiste a felicidade nesta terra? Em conhecimento. Em arte e em trabalho, no conhecimento da arte. Descobrindo arte em si, descobre-se a natureza, a vida do mundo, o sentido da vida, descobre-se a alma-talento. Na?o existe felicidade maior de que esta. E o sucesso? Vaidade. Que chatice receber parabe?ns, responder cumprimentos, escrever cartas de agradecimento. Na?o. Melhor ficar em casa e observar como uma nova personagem vai se formando dentro de mim.”

Naquela e?poca, 70 anos era uma idade muito avanc?ada, mas Stanisla?vski diz que a felicidade consiste em conhecimento. E e? verdade, ele foi muito rico antes da revoluc?a?o, um dos homens mais ricos da Ru?ssia, um empresa?rio que tinha va?rias fa?bricas, mas ele era um empreendedor, um visiona?rio fanta?stico. Primeiro ele foi a? Europa estudar, quando voltou para Ru?ssia, fundou uma fa?brica que produzia cabos de borracha, que foi se desenvolvendo. Todo dinheiro que Stanisla?vski ganhava com suas empresas, suas fa?bricas, ele investia no Teatro de Arte de Moscou.

A fama chegou para Stanisla?vski quando ele ainda era muito jovem. Ele era um ator deslumbrante, e, em 1905, o Teatro de Arte de Moscou foi para sua primeira turne? na Europa. Stanisla?vski foi duas vezes para os Estados Unidos, algo que impressionou e deixou marcas muito importantes no cinema norte-americano. O cinema norte-americano tem atores maravilhosos que devem muito ao Sistema e aos alunos, professores, pedagogos que migraram para os Estados Unidos e la? trabalharam.

O Sistema na?o e? uma invenc?a?o de Stanisla?vski e sim um descobrimento. Todos ja? devem ter ouvido falar de Mendeleev e do sistema perio?dico dos elementos qui?micos. Mendeleev, na segunda metade do se?culo XIX, estudando os elementos que existem na natureza, descobriu esse sistema. Passaram muitos anos desde a sua morte, mas os elementos na?o mudaram, os novos elementos descobertos sa?o inseridos neste sistema. Stanisla?vski e? a mesma coisa. Ele descobriu o sistema – a natureza do ator, as leis ba?sicas, como ele pro?prio dizia, da natureza de criac?a?o, como acontece o processo de criac?a?o do ator e como e? possi?vel treinar e agilizar esse processo.

Desde a morte de Stanisla?vski e ainda durante sua vida, muitos de seus disci?pulos acrescentaram seus elementos ao Sistema. Stanisla?vski gostava muito de dizer que as leis da arte sa?o as leis da natureza. Ele, inclusive, fez desenho de um esquema de sistema que parece muito um organismo vivo. E o importante e? que esse Sistema serve como base para o treinamento do ator e como base para o desenvolvimento do talento do ator. Eu vou citar uma disci?pula de Stanisla?vski, a pedagoga Maria Knebel, que trabalhou junto a ele em seus tre?s u?ltimos anos de vida. Ela diz assim: “Stanisla?vski se encontrava sempre em uma busca penosa. Duvidava. Negava. E nunca parava a sua busca.

Todos os seus descobrimentos na arte tinham como objetivo despertar em cada ator um Mozart e na?o educar nele o Salieri ¹.” Isso eu acho fanta?stico. Eu ja? trabalhei com va?rios educadores, diretores, pedagogos russos e eu vi quando esse “Mozart”, ou seja, esse talento criativo e? despertado no ator. E? como uma flor que nasce dentro do corac?a?o do ator, e? uma coisa fanta?stica, muito linda.

O subconsciente e a Yoga

Mas para despertar esse “Mozart”, Stanisla?vski sempre dizia que o trabalho, a preparac?a?o do ator, e? algo a?rduo e permanente. Primeiro que e? necessa?rio ter um domi?nio completo de seu corpo fi?sico. Muitos acham que Stanisla?vski e? apenas texto ce?nico, trabalho com texto, apenas teatro verbal, mas na?o e? nada disso. A primeira etapa da aprendizagem do Sistema e? o trabalho corporal, e? aprender a ter o domi?nio do corpo, que ele chamava de um instrumento ba?sico do ator. Nas escolas drama?ticas da Ru?ssia, os alunos de primeiro ano nem podem falar, eles apenas aprendem a expressividade do movimento corporal.

Mas atrave?s dessa preparac?a?o fi?sica, corporal, Stanisla?vski achava que podia chegar ao mais essencial que deve ser despertado no ator, o que a?s vezes ele chama de inconsciente e a?s vezes chama de subconsciente (naquela e?poca ainda na?o havia definic?o?es psicanali?ticas muito certas). Vou ler mais uma citac?a?o de Stanisla?vski, em que ele fala muito sobre esse estado criador. Ele diz: “O estado criador, assim como uma cidade litora?nea, esta? bem na fronteira do infinito oceano do subconsciente. A cada momento, a criac?a?o pode mergulhar neste mar e, depois de novo, voltar a? elevada conscie?ncia criativa. Resumo do Sistema: Subconsciente por meio do consciente”.

Stanisla?vski escreve muiti?ssimo sobre o inconsciente. Mas na e?poca sovie?tica, aconteceram va?rias coisas dra?sticas com Stanisla?vski. A censura sovie?tica, a partir da segunda metade dos anos 1920, especialmente nos anos 1930, se torna cada vez mais e mais ri?gida. Ela elimina do diciona?rio de Stanisla?vski, do diciona?rio do Sistema, va?rios termos, e o primeiro riscado e? inconsciente, porque a filosofia materialista (a u?nica permitida na URSS) simplesmente na?o admitia que existia o inconsciente. Nessa abordagem, Stanisla?vski sofreu muita autocensura, porque ele tinha medo que os seus outros trabalhos na?o fossem publicados. Nas cartas que enviava a sua editora, no?s encontramos va?rias passagens em que ele fala sobre o seu medo que o Sistema na?o chegasse a ser publicado. Outro termo do Sistema que foi proibido pela censura sovie?tica e para o qual Stanisla?vski tinha que encontrar um equivalente era, por exemplo, Memo?ria Afetiva, que ele trocou para Memo?ria Emocional.

Outra coisa importanti?ssima do Sistema Stanisla?vski era a Yoga, considerada “uma fonte mi?stica” na Unia?o Sovie?tica, ela ficou proibida. Em seu Primeiro Estu?dio do Teatro de Arte de Moscou, fundado em 1912, Stanisla?vski comec?a a estudar e fazer a preparac?a?o de muitos exerci?cios de Yoga. Va?rias “te?cnicas” do Sistema, exerci?cios de concentrac?a?o, de irradiac?a?o da energia – o ator que na?o irradia energia no palco na?o consegue se comunicar com a plateia – vem da Yoga. Muitos termos ve?m da Yoga e foram autocensurados, porque a Yoga tambe?m era censurada pela Unia?o Sovie?tica. Para Stanisla?vski, por exemplo, na preparac?a?o do ator muito importantes eram os exerci?cios de concentrac?a?o e meditac?a?o, que foram mal vistos pela Unia?o Sovie?tica.

Acontece que os principais livros sobre o Sistema, os tre?s primeiros livros, sai?ram na Unia?o Sovie?tica ja? censurados e com grandes cortes. E? importante tambe?m dizer que apenas o livro O Trabalho do Ator Sobre Si Mesmo², que sai alguns meses apo?s sua morte, Stanisla?vski conseguiu ler e revisar ate? o final. O segundo livro e? publicado em 1948, e, o terceiro em 1957. No?s russos conseguimos conhecer Stanisla?vski e o Sistema inteiro apenas a partir do final dos anos 1980, quando termina a censura sovie?tica, e muitos manuscritos, anotac?o?es, dia?rios e cadernos sa?o liberados aos pesquisadores. Devido a isso, faz pouco tempo que sai?ram as obras completas de Stanisla?vski em russo, em que temos muitas coisas interessantes e ine?ditas que na?o chegaram a ser conhecidas nem no ocidente e nem na pro?pria Ru?ssia. O Sistema Stanisla?vski foi transmitido pelos seus disci?pulos e na?o pelos seus textos.

A histo?ria das traduc?o?es de Stanisla?vski em outras li?nguas e? super tra?gica, pois foram traduzidas do ingle?s. Stanisla?vski vendeu todos os direitos autorais a uma editora norte-americana, porque seu filho estava doente, e ele precisava muito de dinheiro. A partir dai?, em 1930, todas as obras de Stanisla?vski poderiam ser traduzidas somente do ingle?s, e a tradutora e a editora cortaram va?rios pedac?os das obras, editaram do seu jeito partes inteiras do Sistema. Diziam que estava muito complicado e os atores norte-americanos na?o iriam entender, e Stanisla?vski dava carta branca para fazer cortes e mudanc?as.

Portanto, e? importante saber que ate? o final do se?culo XX todas as publicac?o?es das obras de Stanisla?vski ou foram censuradas (na URSS) ou foram americanizadas nas traduc?o?es indiretas fora da URSS. Por isso, do final do se?culo passado para ca?, eu vejo esse interesse imenso de diferentes escolas teatrais no mundo inteiro em redescobrir, reler e reaprender Stanisla?vski. Em 2013, no Teatro de Arte de Moscou, foi realizado um grande congresso em ocasia?o dos 150 anos do nascimento de Stanisla?vski. O mais surpreendente e? que chegaram muitos encenadores, atores, pedagogos teatrais do mundo inteiro e todos falavam como a aprendizagem do Sistema era importante em suas formac?o?es. Muitos russos nem imaginavam essa repercussa?o de Stanisla?vski no mundo inteiro.

O Me?todo das Ac?o?es Fi?sicas

Para terminar, eu queria falar apenas algumas palavras sobre o u?ltimo peri?odo do trabalho de Stanisla?vski, que e? muito pouco conhecido. E? quando ele funda, um pouco antes de morrer, o Estu?dio de O?pera e Arte Drama?tica, em 1935. Nesse Estu?dio, nos seus u?ltimos tre?s anos de vida, ele experimenta muito, e eu vejo esse experimento como uma si?ntese de toda a busca do Sistema. A base desse experimento foi o Me?todo das Ac?o?es Fi?sicas ou, como o pro?prio Mestre o chamou, “um novo me?todo de ensaios”. Stanisla?vski trabalha com os alunos de tal forma que, nos ensaios, nada seja decorado, nada seja fixado. Para que o ator, entrando no palco para atuar, cada vez criasse uma nova partitura do papel, cada vez a atuac?a?o fosse baseada na improvisac?a?o.

Ele fazia experie?ncias completamente malucas com os alunos. Por exemplo, uma vez os alunos estavam preparando uma mostra de algumas cenas do primeiro ato de As Tre?s Irma?s. Tudo estava preparado em uma sala, ja? estava separada uma grande e linda cadeira para Stanisla?vski, os atores estavam muito nervosos, ja? estavam marcadas todas as mis en sce?nes, onde estaria a mesa, o piano e etc. Stanisla?vski entra e, de repente, diz para mudarem tudo e comec?arem a improvisar.

Essa palavra improvisac?a?o e? como uma virtuosidade, e? necessa?rio aprender muito bem a te?cnica, a base do Sistema para conseguir vivenciar a cena, o personagem. O ator nunca repete nada, ele cada vez improvisa, ou seja, cada vez vivencia de novo seu papel e, por isso, acontece a magia, o encanto. Quando o inconsciente do ator se abre, se ve? a organicidade e na?o a repetic?a?o das mesmas cenas ensaiadas. Stanisla?vski dizia que as leis da criac?a?o sa?o leis da natureza. O Sistema de Stanisla?vski e? uma cultura inteira, e antes de mais nada, ela se dirige ao infinito aperfeic?oamento do ser humano, que significa para a arte o aperfeic?oamento do ator, a ampliac?a?o de sua experie?ncia espiritual e emocional, o conhecimento do outro, seu parceiro, da outra personagem, como a si mesmo. O objetivo do Sistema na?o e? apenas aperfeic?oamento do ator, mas o aperfeic?oamento do pro?prio ser humano.

 

1. Antonio Salieri (1750 – 1825) foi um compositor operi?stico italiano. A lenda sobre seu relacionamento com Wolfgang Amadeus Mozart, com quem convivei em Viena, foi criada pela pec?a de teatro de Peter Shaffer, adaptada para o cinema sob direc?a?o de Milos Forman, com o ti?tulo Amadeus. O filme, de 1984, retrata um Saliere invejoso do ge?nio de Mozart, ao mesmo tempo um profundo admirador de sua obra e possuidor de um grande talento musical.

2. O equivalente a? versa?o em portugue?s de A Preparac?a?o do Ator, publicado no Brasil pela editora Civilizac?a?o Brasileira.

 

Elena Va?ssina e? professora do Curso das Letras Russas da Faculdade de Filosofia, Letras Cie?ncias Humanas da Universidade de Sa?o Paulo e autora, juntamente com Aimar Labaki, da obra Stanisla?vski – Vida, Obra e Sistema, publicada pela Funarte em 2016, que traz, pela primeira vez no Brasil, os escritos do mestre russo em traduc?a?o direta do russo. No dia 28 de outubro de 2016, ela esteve presente em um dos encontros do Cafe? Teatral organizado pela professora Marcia Azevedo, para o lanc?amento oficial do livro no Macu. Segue abaixo parte de sua fala, transcrita e editada para esta publicac?a?o.

 

Transcric?a?o de Nathalia Gabriela, pre?-edic?a?o de Kleber Danoli e edic?a?o final de Roberta Carbone.