Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislavski - Ramos da mesma raiz. As ideias Teatrais de Stanislávski nos Estados Unidos – entrevista com Elena Vássina

Ramos da mesma raiz. As ideias Teatrais de Stanislávski nos Estados Unidos – entrevista com Elena Vássina

Ramos da mesma raiz:
As ideias teatrais de Stanisla?vski nos Estados Unidos

Entrevista com Elena Va?ssina

POR ROBERTA CARBONE

A entrevista a seguir foi realizada em 30 de abril de 2018, com a professora do Curso das Letras Russas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cie?ncias Humanas da Universidade de Sa?o Paulo e autora, juntamente com Aimar Labaki, da obra Stanisla?vski – Vida, Obra e Sistema, publicada pela Funarte em 2016, que traz, pela primeira vez no Brasil, os escritos de Stanisla?vski em traduc?a?o direta do russo para o portugue?s. Em sua fala, Elena Va?ssina refaz o caminho de chegada de Stanisla?vski aos Estados Unidos e passa pelos mais importantes disseminadores de suas ideias teatrais, considerando a validade de todas as escolas pedago?gicas de filiac?a?o stanislavskiana.

 

As turne?s do TAM nos EUA

O ponto de partida para se falar sobre o tema “Stanisla?vski nos Estados Unidos” e? certamente a turne? do Teatro de Arte de Moscou nesse pai?s. Foram duas turne?s. A primeira comec?ou em janeiro de 1923, e e? muito importante frisar que ela foi um sucesso enorme, um e?xito total. Todos os norte-americanos envolvidos com teatro e cinema ficaram completamente surpreendidos pela nova linguagem teatral e pelo novo tipo de atuac?a?o do TAM. Foi algo ma?gico.

Stanisla?vski recebeu va?rias, centenas de convites para ensinar o Sistema e seu treinamento de atores nos Estados Unidos. E foram propostas, financeiramente falando, muito interessantes, mas ele na?o aceitou nenhuma delas, por causa da ligac?a?o com o seu teatro, com seus atores, do contrato com o governo sovie?tico – que obrigava todos a voltarem a? Unia?o Sovie?tica – e tambe?m por causa do tempo e da sau?de. E se Stanisla?vski tivesse ficado e trabalhado la?, na?o sabemos como seria agora.

Mas antes do Teatro de Arte de Moscou e Stanisla?vski irem aos Estados Unidos, Richard Bolesla?vski, o disci?pulo de Stanisla?vski no Primeiro Estu?dio do TAM, emigrou depois da Revoluc?a?o de 1917, fez um trajeto pela Europa e acabou ficando nos Estados Unidos. Ele comec?ou a dar palestras falando da arte teatral de Stanisla?vski e passou a ser uma figura chave na primeira etapa de sua divulgac?a?o nesse pai?s. Bolesla?vski foi uma figura chave na divulgac?a?o do Sistema nos Estados Unidos. Ele atuou em va?rios espeta?culos durante a turne? do TAM e, apesar de brigas que existiram entre Bolesla?vski e Stanisla?vski ainda no peri?odo russo, eles continuaram bastante pro?ximos.

E deve-se falar de Bolesla?vski, porque ele foi um ator e um diretor genial, brilhante e contribuiu muito, a meu ver, para a formac?a?o da pedagogia tanto teatral quanto cinematogra?fica norte- americana. Foi com ele que Lee Strasberg – do famoso Me?todo de Stanisla?vski – estudou por volta de um ano. Strasberg trabalhou no Laboratory Theatre junto com Bolesla?vski, que o organizou com a ideia de criar um teatro de reperto?rio e uma escola de arte drama?tica. Foi tambe?m onde trabalhou Maria Uspe?nskaia¹.

Bolesla?vski e Maria Uspe?nskaia

No Brasil ainda se sabe pouco sobre Maria Uspe?nskaia, que desempenhou um papel importante na divulgac?a?o da escola stanislavskiana nos Estados Unidos. Bolesla?vski e ela foram atores do Primeiro Estu?dio de Stanisla?vski, ou seja, estudaram com Stanisla?vski e Sulerji?tski, o principal pedagogo do Primeiro Estu?dio. Eles tambe?m atuaram e estudaram com Vakhta?ngov, o que os influenciou muito. Uspe?nskaia e Bolesla?vski levaram para os Estados Unidos toda a experie?ncia pre?-revoluciona?ria de Stanisla?vski. E na?o apenas a experie?ncia do Primeiro Estu?dio, de 1912, pois Bolesla?vski tinha sido o ator do TAM ainda antes da fundac?a?o do Estu?dio e atuou em Um Me?s no Campo², de Turgue?niev. Ele conheceu, portanto, as primeiras experie?ncias do Sistema, porque Um Me?s no Campo foi laborato?rio de experie?ncias de Stanisla?vski com o Sistema, ou seja, Bolesla?vski ja? conheceu o que Stanisla?vski tinha feito antes mesmo do Primeiro Estu?dio.

Ambos se tornaram figuras fundamentais para a formac?a?o da escola do cinema norte-americano. Assim como Richard Bolesla?vski – um importante ator de Hollywood –, Maria Uspe?nskaia tambe?m atuou em va?rios filmes da e?poca e recebeu duas indicac?o?es para o Oscar. Ela atuou, por exemplo, no famoso filme A Ponte de Waterloo³, onde interpretou o papel da professora de bale?. E e? possi?vel encontrar outros filmes dela. Bolesla?vski se tornou bem mais conhecido que Uspe?nskaia, mas ela, enquanto pedagoga teatral tambe?m foi importanti?ssima. Foi ela, por exemplo, quem introduziu pela primeira vez nos Estados Unidos a pra?tica de improvisac?o?es. Antes eu acreditava que Bolesla?vski e Uspe?nskaia tinham trabalhado muito focados em elementos do Primeiro Estu?dio, ou seja, na Memo?ria Afetiva, nos exerci?cios de ioga, na Concentrac?a?o, na transmissa?o de energia ou prana, na terminologia de Stanisla?vski. Tinha tudo isso, mas hoje eu vejo tambe?m que Bolesla?vski deu passos a? frente em comparac?a?o com sua experie?ncia no Primeiro Estu?dio, assim como Uspe?nskaia.

E, certamente, todos os disci?pulos de Stanisla?vski talentosos, que continuaram uma pedagogia stanislavskiana na busca com o Sistema, na?o repetem exatamente aquilo que Stanisla?vski fez. Porque teatro e? criac?a?o, e? sempre desenvolvimento. Na?o se trata de professores de matema?tica, que va?o ensinar a todos que dois mais dois sa?o quatro. Os pedagogos teatrais esta?o sempre se desenvolvendo, e eu acho isso muito importante. Por exemplo, lendo Bolesla?vski, podemos ver como e? importante para ele o conceito de Ator Criador, quando os atores trabalham junto com o diretor na criac?a?o do espeta?culo. Essa ideia veio de Stanisla?vski, de um Stanisla?vski tardio.

Lee Strasberg, Stella Adler e Mikhail Tche?khov

Em 1930, termina o Laboratory Theatre, e, em 1931, Lee Strasberg forma seu Group Theatre. Importante dizer que Strasberg viu Stanisla?vski, assistiu aos espeta?culos do TAM, mas foi com Bolesla?vski e Uspe?nskaia que ele estudou. E quando ele forma o Group Theatre, ele trabalha com Stella Adler, que e? filha de um ator judaico de origem russa bem conhecido. Nessa histo?ria toda, a raiz judaico-russa criava uma maior aproximac?a?o entre os Estados Unidos e a Unia?o Sovie?tica em termos de sistemas teatrais. Mas em 1934, Stella Adler, junto com seu marido, Harold Clurman, vai para a Franc?a e la? ela se encontra com Stanisla?vski (no seu livro Minha Vida na Arte, Stanisla?vski descreve este encontro com muito humor). Ela teve uma possibilidade u?nica: ter aulas particulares e individuais com Stanisla?vski durante cinco semanas. Ao voltar para os Estados Unidos, Adler brigou com Strasberg, acusando-o de “deturpar” o Sistema, e fundou sua pro?pria escola stanislavskiana. E quando Lee Strasberg faleceu, ela chegou aos seus alunos e disse: “Faleceu um grande homem de teatro. Va?o passar anos antes que a arte do ator se livre do prejui?zo que ele fez.” E assim foi a relac?a?o entre eles. Mas ambos foram muito importantes na divulgac?a?o do sistema de Stanisla?vski nos Estados Unidos.

Temos que mencionar outra corrente muito importante do Sistema e da escola russa, algue?m que tambe?m era ator do Primeiro Estu?dio do TAM, que e? Mikhail Tche?khov. Ele estudou com Bolesla?vski e foi um aluno que Stanisla?vski admirou muito, foi o ator mais talentoso entre todos os atores do TAM. Mikhail Tche?khov publicou um artigo sobre Stanisla?vski em 1919?. Stanisla?vski ficou com uma raiva imensa que um aluno seu pudesse publicar algo sobre o Sistema, e foi uma briga enorme. Tche?khov tambe?m emigra, passa pela Inglaterra e acaba ficando em Nova Iorque, onde trabalha em Hollywood (recebeu uma indicac?a?o ao Oscar) e como pedagogo de muitos atores do cinema norte-americano. E o pro?prio Mikhail Tche?khov falava que seu sistema pedago?gico de preparac?a?o do ator era 60% Stanisla?vski, 20% Vakhta?ngov e o resto dele.

Podemos dizer que nos Estados Unidos existiram e existem diferentes escolas pedago?gicas que sai?ram da mesma raiz stanislavskiana. E? como uma a?rvore com va?rios ramos que tem suas rai?zes no Primeiro Estu?dio do TAM, mas nenhum ramo e? parecido com o outro. Eles evolui?ram e se desenvolveram, e cada um teve o seu pro?prio me?todo de ensino. Ha? muitas diverge?ncias entre as iniciativas. Uma, achava, por exemplo, que o ator nunca deveria partir de si pro?prio. Para Stanisla?vski, o ba?sico e? que o ator parta de si pro?prio, mas nunca se limite a si mesmo, porque o mais importante na criac?a?o atoral e? a imaginac?a?o, o famoso “como se fosse” de Stanisla?vski. Tche?khov dizia que o ator devia partir da imaginac?a?o e na?o de si pro?prio, ou seja, na?o se apoiar na sua Memo?ria Afetiva. E? uma diferenc?a radical na abordagem da pedagogia teatral de dois mestres. Mas tanto uma quanto a outra funcionam perfeitamente bem.

Strasberg esteve na Unia?o Sovie?tica em maio/junho de 1934, detestou completamente os espeta?culo do TAM – que nessa e?poca ja? na?o tinham nada a ver com Stanisla?vski – e nem quis se encontrar com Stanisla?vski. Strasberg ja? tinha aprendido muito sobre Vakhta?ngov por causa de Bolesla?vski, mas tambe?m por causa de um emigrante russo que trabalhou como cozinheiro durante o retiro dos ensaios do Group Theatre no vera?o de 1932. Cada noite, antes de servir o jantar, este cozinheiro, Mark Schmidt, traduzia os trechos dos livros e artigos sobre Stanisla?vski, Meierhold e Vakhta?ngov para Lee Strasberg e os atores do Group. Assim Lee Strasberg aprendeu sobre as vanguardas teatrais russas. Os conhecimentos que ele vai aprofundar durante sua viagem a? Unia?o Sovie?tica em 1934.

A Memo?ria Afetiva e o Me?todo dos E?tudes

Falando da diferenc?a entre Strasberg (que foi chamado do “fana?tico da Memo?ria Afetiva”) e Stanisla?vski, creio que te?m viso?es bastante diversas sobre o ator e o diretor. Enquanto, para o Stanisla?vski da u?ltima de?cada (final dos anos 1920 e ate? sua morte em 1938), o trabalho do diretor e do Ator Criador esta? muito ligado, Strasberg o separa. Ele diz que o diretor fica acima do contexto de criac?a?o dos atores, que e? o diretor quem dita sua vontade, o diretor teatral e? o principal. Eu acho que isso e? porque a arte teatral norte- americana ainda estava muito jovem e imatura. Stanisla?vski ja? tinha passado pela formac?a?o em arte e pela profissionalizac?a?o ainda no final do se?culo XIX. Essa e? uma diferenc?a bastante importante, a pedagogia de Stanisla?vski e? voltada para a formac?a?o do ator.

Lendo o Stanisla?vski tardio, e? muito importante o que ele pro?prio chamou de me?todo de ensaio por meio dos e?tudes – ha? dois manuscritos em meu livro Stanisla?vski – Vida, Obra e Sistema (Funarte, 2016) em que ele fala sobre o processo de ensaios por meio dos e?tudes – ou usando um termo de Maria Kne?bel, outra aluna de Stanisla?vski, que o chamou de Me?todo de Ana?lise Ativa, ainda que Stanisla?vski nunca tenha usado esse termo. Ana?lise Ativa, ou seja, a ana?lise pela ac?a?o, para Strasberg na?o tem a menor importa?ncia. Ele fala de ac?a?o apenas como um meio de sai?da para os atores nas situac?o?es de vida em ensaio, mas na?o e? assim, digamos, um componente importante para o Me?todo de Strasberg, enquanto Stanisla?vski diz que a ac?a?o e? tudo. E? a ac?a?o que alimenta o trabalho com os e?tudes e o processo dos ensaios, desde o ini?cio, comec?a com ac?o?es.

Strasberg acha que, embora do ponto de vista do diretor e do encenador o conhecimento da ac?a?o seja muiti?ssimo importante, e? melhor que os atores na?o saibam qual ac?a?o eles ira?o fazer. O Me?todo de Strasberg e?, portanto, bem mais intuitivo, e essa talvez seja a diferenc?a principal entre eles. Strasberg se forma como pedagogo no final dos anos 1920, ini?cio dos anos 1930 e sob forte influe?ncia de Freud, que comec?a a ganhar popularidade nos Estados Unidos. Enquanto isso, na Unia?o Sovie?tica, Freud tinha sido proibido depois da Revoluc?a?o. Sabe-se que Stanisla?vski nunca leu Freud. Mas tambe?m se sabe que ele estudou psicologia profundamente, pois o inconsciente era muito importante no seu trabalho.

Stanisla?vski nunca abriu ma?o da Memo?ria Afetiva, mas depois da Revoluc?a?o, ele passa a chamar a Memo?ria Afetiva de Memo?ria Emocional, porque o termo “memo?ria afetiva”, cunhado por The?odule Ribot, psico?logo france?s e, logo, “burgue?s” no contexto da ideologia sovie?tica, foi proibido. No sistema de Stanisla?vski, o inconsciente e? muito importante, mas sendo um ge?nio iluminado e espiritualizado, ele fala sobre a vida do espi?rito humano e o divino. E, a meu ver, Strasberg e? bem mais pragma?tico, bem mais pra?tico. Se para Stanisla?vski, o inconsciente e? para cima, a natureza criativa do ator que vem da inspirac?a?o, para Lee Strasberg, o inconsciente e? para baixo, e? freudiano, e? todo o trauma, algo bem mais subjetivo. Ha? muitos tijolos no sistema de Stanisla?vski, e se voce? tira um deles, a casa fica torta. Eu posso dizer que o tijolo principal em Lee Strasberg e? o inconsciente, a Memo?ria Afetiva.

Mas Stanisla?vski descobre outra coisa: a Ac?a?o, as Ac?o?es Fi?sicas. Strasberg, ao contra?rio, vai cada vez mais e mais a fundo na memo?ria afetiva, ou seja, a memo?ria individual do ator. Em Stanisla?vski, existe o ma?gico se eu fosse, existem as Circunsta?ncias Dadas e a criac?a?o da personagem a partir de si mesmo. Em Strasberg, o ator cria suas personagens vivendo, buscando dentro de si mesmo. Stanisla?vski pergunta ao ator o que ele faria se fosse Ranie?vskaia, personagem do Jardim das Cerejeiras, de Anton Tche?khov. Strasberg tenta buscar alguma situac?a?o, alguma experie?ncia psicolo?gica, emocional, pro?pria do ator, que poderia aproxima?-lo de Ranie?vskaia. Os focos sa?o, assim, diferentes. Os atores do Me?todo na?o se transformam em personagens, eles encontram as personagens dentro de si.

O sistema de Stanisla?vski tem muiti?ssimos exerci?cios para o treinamento da imaginac?a?o dos atores – alia?s, o instrumento mais poderoso em qualquer tipo de criac?a?o arti?stica. O primeiro ano da pedagogia stanislavskiana na escola russa ja? comec?a com o treinamento da imaginac?a?o. Ao meu ver, e? importanti?ssimo desenvolver a criatividade. Sem imaginac?a?o na?o ha? arte. Mas para Strasberg, o mais importante e? mergulhar no inconsciente do ator. Strasberg diz que os atores do Me?todo na?o se transformam, na?o se transfiguram na personagem, eles encontram a personagem dentro de si, substituindo a experie?ncia da pec?a, do filme, por sua pro?pria experie?ncia.

Eu sempre me lembro do exemplo que cita Augusto Boal, em um de seus livros, sobre os ensaios de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams em que ele usou o Me?todo de Strasberg. A atriz que interpretava Blanche Du Bois na?o conseguia atuar bem o o?dio e a atrac?a?o sexual por Stanley Kowalski. Boal, que estudou com o Strasberg, dizia para a atriz que essa era uma cena muito sexual e que, para interpreta?-la, ela devia se lembrar de algum episo?dio de paixa?o, de sexo em sua vida. Mas ela responde: “Eu sou virgem! Como isso e? possi?vel?” Pore?m, depois ela atuou muito bem, o que Boal reconheceu, e enta?o ela disse: “E? que me lembrei de um dia muito quente, que fazia muito calor, e eu estava tomando um sorvete em Copacabana.” Enta?o e? isso: ela atuou muito bem porque se lembrou de algo sobre sua vida, e na?o como se fosse Blanche Du Bois.

Sa?o diferenc?as bastante grandes, mas o interessante e? que o Me?todo de Strasberg da? um resultado fanta?stico no cinema. Fica muito o?bvio para mim que as experie?ncias de Stanisla?vski, as montagens do pro?prio Bolesla?vski, os espeta?culos de Vakhta?ngov no Primeiro Estu?dio foram feitos em espac?os muito pequenos, e a atuac?a?o dos atores estava em close. E? como na filmagem quando se tem um close, como no cinema quando o ator tem que interpretar muito bem todas as emoc?o?es. Isso e? um princi?pio ba?sico do cinema, e esse tipo de atuac?a?o funcionou de maneira excelente no Primeiro Estu?dio. Strasberg herda esse me?todo de Bolesla?vski e de Uspe?nskaia e o transforma nos Estados Unidos, em outro contexto cultural, em um me?todo eficiente de treinamento para os atores de cinema.

Eu nunca estudei especialmente Lee Strasberg, mas o que eu sei de como ele trabalhou com Marilyn Monroe, com Marlon Brando, e? esse me?todo, digamos, bastante freudiano, em que o resultado do trabalho do ator e? mais ra?pido. O trabalho de Stanisla?vski com o Me?todo de Ac?o?es Fi?sicas, de ensaios, de e?tudes pressupo?e um peri?odo muito longo de preparac?a?o. O Me?todo de Strasberg e? bem mais ra?pido, porque no cinema o trabalho e? passo a passo, voce? filma e grava a cena aqui e agora, voce? na?o ensaia me?s a me?s para depois mostrar o resultado. No cinema, o ator tem duas horas para atuar, e depois o diretor vai montar e escolher o melhor material.

Isso e? completamente diferente do me?todo do Stanisla?vski tardio, quando ele propo?e uma abordagem da pec?a atrave?s da ac?a?o, de e?tudes. Esse e? um caminho que leva meses, e o caminho de Strasberg e? bem mais ra?pido. Talvez, por causa disso, eles conseguiram, tanto Stella Adler quanto Lee Strasberg, criar o?timos atores de cinema. Eu na?o posso dizer, com rari?ssimas excec?o?es, que o teatro – e na?o falo da Broadway, porque musical e? diferente –, que o teatro drama?tico norte- americano avanc?ou muito. Mas o cinema foi um grande descobrimento.

A pedagogia teatral: uma profissa?o criativa

Eu me lembro que assisti, certa vez, a uma comunicac?a?o de Jorge Saura (tradutor das obras de Stanisla?vski para espanhol) sobre Sanford Meisner, que trabalhou com Stella Adler e Strasberg no Lab Theatre e depois saiu e formou sua pro?pria escola em Los Angeles. Eu acredito que se procurarmos bem, encontraremos mais e mais ramos que sai?ram da mesma raiz, mas caminharam em direc?o?es diferentes. E? um tema que me interessa muito e ainda tenho que estudar e aprender, mas sei que Sanford Meisner tambe?m brigou com Lee Strasberg, recusou a Memo?ria Afetiva e criou, a partir de Stanisla?vski, o seu pro?prio me?todo de atuac?a?o.

Acho importante dizer que o Me?todo de Strasberg na?o deveria ser julgado se e? pior ou melhor do que o sistema de Stanisla?vski, e? simplesmente diferente. Stella Adler na?o e? pior nem melhor que Lee Strasberg, e? outra possibilidade. E? como eu sempre digo, o disci?pulo talentoso nunca segue o passo a passo do mestre, ele briga, recusa, quer ser diferente, aprende de forma diale?tica, aprende, depois se revolta contra o mestre e o nega, para no final das contas chegar a? si?ntese. Enta?o, estes sa?o, a meu ver, os principais caminhos que o sistema de Stanisla?vski trilhou nos Estados Unidos: Bolesla?vski e Maria Uspe?nskaia, Lee Strasberg e Stella Adler, Mikhail Tche?khov e os atores russos.E? muito importante perceber que no?s lidamos com arte e, na arte, na?o existem as leis das Cie?ncias Exatas. Qualquer professor de Fi?sica vai ensinar aos seus alunos que se uma bola for jogada para cima, de qualquer jeito, ela vai acabar caindo na terra, mas no ensino das artes na?o existe essa verdade u?nica. O Stanisla?vski que chegou aos Estados Unidos e foi divulgado aqui, no Brasil, e? diferente do Stanisla?vski direto da fonte russa, mas por causa desse caminho, por causa desse esforc?o, tambe?m tivemos bons descobrimentos.

O importante, a meu ver, na pedagogia teatral, e? nunca estar parado, e? estar sempre se descobrindo, se reinventando, sempre criando novos me?todos de trabalho com os alunos. O pior pedagogo e? aquele que passa a vida inteira repetindo a mesma coisa, que entra em sala de aula com um caderninho, com o plano de aula de dez, quinze, vinte anos atra?s. A profissa?o criativa deve estar sempre em processo de construc?a?o, em processo de desenvolvimento, e isso e? normal, e, de vez em quando, entrar numa crise e entender que voce? na?o sabe nada, que seu caminho foi errado, na?o deveria levar a? frustrac?a?o, ao contra?rio, faz parte da pedagogia criativa, que e? um permanente desafio. Quando eu leio novas publicac?o?es, novos artigos, novos diretores e? sempre muito bom, muito estimulante, eu tenho que pensar para na?o repetir aquilo que eu ja? falei ha? um ano. Na?o deve existir essa coisa careta de poder tomar apenas um caminho certo – ha? encruzilhadas de cada nova experie?ncia. No trabalho da pedagogia teatral, sa?o muitas e muitas horas de dedicac?a?o. E, para mim, essa e? uma das profisso?es mais difi?ceis que existem.

 

1. Seu sobrenome e? conhecido tambe?m na transliterac?a?o francesa: Ouspenskaya.

2. A pec?a foi apresentada em 1909 no Teatro de Arte de Moscou, com direc?a?o e atuac?a?o de Stanisla?vski. Para mais informac?o?es sobre o texto e a montagem, consultar: SHUBA, Simone. Stanisla?vski em Processo: Um Me?s no Campo ? Turgue?niev. Colec?a?o Macunai?ma no Placo. Sa?o Paulo: Perspectiva, 2016.

3. Filme de 1940, baseado na pec?a homo?nima de Robert E. Sherwood e dirigido por Mervyn LeRoy, com atuac?a?o de Vivien e Robert Taylor. Foi indicado a va?rias premiac?o?es do Oscar.

4. O artigo de Mikhail Tche?khov se chama ?Sobre o Sistema de Stanisla?vski? e foi publicado em uma revista de teatro alema?.

 

Entrevista transcrita por Kleber Danoli, editada por Kleber Danoli e Roberta Carbone, com edic?a?o final de Elena Va?ssina.